Podemos considerar o livro Terra Sonâmbula um romance em abismo, escrito numa prosa poética que remete a Guimarães Rosa. O escritor Mia usa recursos do realismo mágico e da arte narrativa tradicional africana para compor essa bela fábula, que nos faz sonhar, mesmo nas condições mais adversas apresentadas na história.
Em seu enredo revela um ônibus incendiado em uma estrada poeirenta que serve de abrigo ao velho Tuahir e ao menino Muidinga, em fuga da guerra civil devastadora que passa por toda parte em Moçambique. Como se sabe, depois de dez anos de guerra anticolonial (1965-75), o país do sudeste africano viu-se às voltas com um longo e sangrento conflito interno, que se estendeu de 1976 a 1992.
O veículo está cheio de corpos carbonizados. Mas há também outro corpo à beira da estrada, junto a uma mala que abriga os “cadernos de Kindzu”, o longo diário do morto em questão. A partir daí, duas histórias são narradas paralelamente: a viagem de Tuahir e Muidinga, e, em flashback, o percurso de Kindzu em busca dos naparamas, guerreiros tradicionais, abençoados pelos feiticeiros, que são, aos olhos do garoto, a única esperança contra os senhores da guerra.
Tanto no aspecto literário quanto no aspecto moderno-social, o livro possui uma complexidade de entendimento incrível, que leva o leitor a prestar atenção nos mínimos detalhes destacados em cada capítulo narrado para que se chegue até um entendimento do valor social e cultural na qual Mia Couto tenta mostrar nas entrelinhas.
Em outras palavras, Mia narra a miséria e o sofrimento de uma África marcada pela guerra e pelo desespero, através das vozes de um velho e um menino. E merece aplausos por tal feito.
Vale a leitura!